domingo, 25 de setembro de 2011

Profissão Perigo


Por Roque Passos

O homem abriu a porta mais uma vez. Olhou para os dois lados da rua, na esperança de finalmente ver chegando o mensageiro amarelo que lhe traria o aguardado quite de segurança do trabalho.
Ele havia feito a encomenda assim que viu a demonstração em um canal de vendas. Ah, ali estava a solução para os problemas que vinha enfrentando em sua profissão. Já tinha experimentado as mais variadas ferramentas, mas sempre saia ferido e sem conseguir desempenhar satisfatóriamente suas tarefas.
O quite fora desenvolvido por uma equipe de renomados cientistas dos Estados Unidos. Na confecção, foram usados, além de materiais que por força de contrato com o Governo Americano não podiam ser revelados, aço inoxidável, titânio, um super nylon desenvolvido em laboratórios russos e um mineral extraído de um meteoro que caíra no deserto do Arizona. Os primeiros testes foram feitos com profissionais dos subúrbios de Los Angeles, São Francisco e New York, e por soldados no Iraque e no Afeganistão. O sucesso foi além do esperado.
O homem voltou desanimado para dentro de casa.
A mulher já impaciente com toda aquela ansiedade, reclamou:
- Marido, você já abriu essa porta nove vezes. Procure se acalmar. Vai ver 
não tem entrega hoje.
Assim que a mulher terminou de falar, a campainha tocou.  
O homem correu eufórico para a porta. A emoção era tão grande que mal conseguiu enxergar o formulário de recebimento que assinou.Disse obrigado sem tirar os olhos da caixa, bateu a porta na cara de um entregador pasmo com o que assistia e foi para o quarto.
A mulher achou melhor não falar mais nada e apenas acompanhou o marido com os olhos.
Ele colocou a caixa sobre a cama e a abriu com todo cuidado. Seu coração estava descompassado, um nó se formando na garganta e os olhos lacrimejando.
Olhou demoradamente o conteúdo da caixa. Ela continha uma armadura de dar inveja aos heróis do cinema. Tinha múltiplas funções que podiam ser ativadas pelas várias teclas de controle, visão de raio x e outros dispositivos que só com o manual para serem identificados. Havia ainda um macacão ante chamas, colete a prova de balas, luvas, botas, meias, capacete, óculos de longo alcance, escudo e um bracelete que funcionava como um mine computador de bordo.
Se conteve o máximo que pode. Então soltou um grito tão estrondoso, que foi ouvido não apenas pela mulher, os três filhos que ainda estavam em suas camas, o gato, os cachorros, papagaios e os coelhos da casa, mas também pelos vizinhos, inclusive aqueles situados a cinco quilômetros de distância:
- Perfeitoooooooooooooo.
Não sabia como aguentar a espera para finalmente poder usar o quite. Estava tendo um dia de folga por conta de um incêndio que quase matou um colega de trabalho.
Foi a noite mais longa de sua vida. Leu cinco vezes a mesma história para os filhos na hora de colocá-los para dormir, mandou os cachorros que já dormiam ficarem quietos, colocou várias porções de ração para os coelhos, fez amor  intensa e repetidas vezes com a esposa, deixando-a tão extasiada, que não tinha forças nem para dizer um simples obrigado; até que finalmente conseguiu pregar os olhos.
Quando o despertador ensaiou acordá-lo, ele já estava na cozinha engolindo um pouco de café.
Ao entrar no prédio onde trabalhava, deixou para trás um porteiro atônito. O coitado devia está pensado que havia visto uma alucinação.
Seguiu pelo corredor em direção a sala onde trabalhava cheio de confiança. A partir daquele dia seria o funcionário mais produtivo do seu setor.
Ouviu estrondos e percebeu os vidros todos embaçados. Não dava para ver nada. Mas eles estavam lá, tinha certeza que eles estavam lá, esperando por ele. Tocou na maçaneta da porta sem medo, suas luvas eram indestrutíveis. Ao abrir a porta, viu sua mesa de pernas para o ar e "eles", todos "eles" debatendo-se pelos cantos da sala.
Ao perceberem sua presença, cessaram bruscamente o barulho e olharam para ele. Não havia a costumeira ameaça naqueles olhares, mas sim uma indescritível surpresa e grande expectativa.
Então, já saboreando a sua vitória, falou calmamente com uma voz metálica, robótica, megafonizada:
- Bom dia! vamos começar nossa aula. Assunto de hoje: predicativo do sujeito.





domingo, 4 de setembro de 2011

Chora Jequitibá


Roque Passos

Chora Jequitibá as lágrimas  da chuva que não cairá mais
Pois tuas folhas agora mortas não podem transpirar
Para alimentar as nuvens e nossa terra molhar
Rio Almada
Chora Jequitibá a ausência da tua sombra
Que do calor agonizante dos raios do Sol
Vinha nos amparar
Chora as queimadas da Mata Atlântica
A poluição do Almada e do Cachoeira
Que já não podem respirar
Chora a dor infligida pela motoserra carrasca
Comandada por um insano
Que sob as ordens de um tirano inconsequente
Veio a tua vida ceifar
Chora a ignorância da raça humana
Que espalha lixo pra todo lado
Contamina o solo, o mar e as nascentes
E por pura ganância
Tantas outras raças estar a exterminar
Humanos teimosos não querem ver
Admitir a realidade irrefutável
Sem tuas irmãs e todos os outros recursos naturais
Será impossivel viver
Chora Jequitibá.