segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O Garoto Negro da Princesa Isabel


                              Roque Passos
A tarde do fim de Agosto é precocemente engolida pela noite.
As pessoas se agasalham, buscando se proteger dos resquícios de um frio que não veio de fato.
O Garoto Negro da Princesa Isabel espera impaciente no banco de cimento.
Olha mais uma vez com a esperança de ver surgir no horizonte escuro a lata velha maquiada que o levará para o cômodo de paredes nuas e chão batido
que ele chama de casa.
Não se sabe onde ele mora, mas é certo que lá sonhar tornou-se proibido.
Seu nome também não é conhecido. Pode se chamar João, Pedro, José, Antonio... Michael, John Victor ou qualquer outro desses nomes escolhidos ingenuamente pelos pais, na esperança de atribuir ao filho uma importância ilusória, um estatus que não existe.
O Garoto Negro da Princesa Isabel traz no corpo o uniforme marcado pelo suor do jogo dos horários vagos, com uma bola de meia, papel ou um limão.
Seu semblante é a personificação perfeita do cansaço e do desânimo.
O peso de uma tarde de aulas entediantes, numa escola que apesar de lhe cobrar que viva de acordo com um mundo do qual ele não faz parte, é o seu melhor refúgio, o obriga a escorar a cabeça com o braço e dobrar o corpo até os joelhos.
De que lhe vale o quadrado perfeito, quando a vida não lhe permite arredondar nenhuma fórmula de felicidade?
Quem se importa com o predicativo do sujeito, se não lhe deixam ser um cidadão.
A fome já ocupa o espaço deixado pelo lanche sem sabor do meio da tarde, tornando a espera ainda mais insuportável.
Não é certo que terá um jantar, ou pelo menos um pão com uma fatia de queijo.
Mas haverá uma televisão, onde poderá escolher entre a novela, pintando um mundo com o qual ele não ousa mais sonhar e a sua realidade cruel, sendo desnudada impiedosamente pela mídia apelativa e mercenária.
Tentando esquecer o seu mundo, o Garoto Negro da Princesa Isabel delira: o pai moderno, antenado com o mundo, abre a porta do carro para ele.
“Filho, não esquece o cinto... Te comprei algo irado... Vamos ver juntos depois da tarefa de casa”...
O Garoto da Princesa Isabel Balança a cabeça. Quanta pretensão...
Seu pai fora levado pelas balas que caçam os que não quitam seus débitos, com os fornecedores do veneno que mata o corpo e condena a alma.
O Garoto Negro da Princesa Isabel traz no rosto as marcas de conflitos, dor, medo, desilusão, sofrimento...
Alguns o enxergam, mas não o compreendem ou não ligam. Outros nem o notam.
Ninguém se importa. É só um Garoto Negro esperando a condução para um mundo sem sonhos, no ponto da Praça da Princesa Isabel.