Roque Passos
A
tarde do fim de Agosto é precocemente engolida pela noite.
O
Garoto Negro da Princesa Isabel espera impaciente no banco de cimento.
Olha
mais uma vez com a esperança de ver surgir no horizonte escuro a lata velha
maquiada que o levará para o cômodo de paredes nuas e chão batido
que
ele chama de casa.
Não
se sabe onde ele mora, mas é certo que lá sonhar tornou-se proibido.
Seu nome
também não é conhecido. Pode se chamar João, Pedro, José, Antonio... Michael,
John Victor ou qualquer outro desses nomes escolhidos ingenuamente pelos pais,
na esperança de atribuir ao filho uma importância ilusória, um estatus que não
existe.
O
Garoto Negro da Princesa Isabel traz no corpo o uniforme marcado pelo suor do
jogo dos horários vagos, com uma bola de meia, papel ou um limão.
Seu
semblante é a personificação perfeita do cansaço e do desânimo.
O
peso de uma tarde de aulas entediantes, numa escola que apesar de lhe cobrar
que viva de acordo com um mundo do qual ele não faz parte, é o seu melhor
refúgio, o obriga a escorar a cabeça com o braço e dobrar o corpo até os
joelhos.
De
que lhe vale o quadrado perfeito, quando a vida não lhe permite arredondar
nenhuma fórmula de felicidade?
Quem
se importa com o predicativo do sujeito, se não lhe deixam ser um cidadão.
A
fome já ocupa o espaço deixado pelo lanche sem sabor do meio da tarde, tornando
a espera ainda mais insuportável.
Não
é certo que terá um jantar, ou pelo menos um pão com uma fatia de queijo.
Mas
haverá uma televisão, onde poderá escolher entre a novela, pintando um mundo
com o qual ele não ousa mais sonhar e a sua realidade cruel, sendo desnudada
impiedosamente pela mídia apelativa e mercenária.
Tentando
esquecer o seu mundo, o Garoto Negro da Princesa Isabel delira: o pai moderno,
antenado com o mundo, abre a porta do carro para ele.
“Filho,
não esquece o cinto... Te comprei algo irado... Vamos ver juntos depois da
tarefa de casa”...
O
Garoto da Princesa Isabel Balança a cabeça. Quanta pretensão...
Seu
pai fora levado pelas balas que caçam os que não quitam seus débitos, com os
fornecedores do veneno que mata o corpo e condena a alma.
O
Garoto Negro da Princesa Isabel traz no rosto as marcas de conflitos, dor,
medo, desilusão, sofrimento...
Alguns
o enxergam, mas não o compreendem ou não ligam. Outros nem o notam.
Ninguém
se importa. É só um Garoto Negro esperando a condução para um mundo sem sonhos,
no ponto da Praça da Princesa Isabel.